julho 10, 2008

Legado – let it be

Ah! Não sei, não.
Antes mesmo dos trigêmeos nascerem, uma das minhas grandes preocupações foi com o que seria dessas crianças. Caramba, olhando pro Brasil hoje dá medo de pensar no que pode acontecer com eles no futuro, ou mesmo no presente. Brincava com a Bia que ter um filho seria ótimo e daria até pra mandá-lo estudar na Suíça [na verdade eu queria me ver livre da criança, antes mesmo de tê-la!]. Conversando sobre isso com o amigo, grande amigo Ivan, ele disse uma coisa que me fez chorar: ‘Ivan, vou ter trigêmeos, cara, o que vai ser deles?’ E ele: ‘O mundo está precisando de mais pessoas legais, fica frio’.

Não dá mesmo pra saber o que será feito deles, que futuro os aguarda. Mas o outro lado dessa história é: o que será de mim? Era isso que eu me perguntava desde que soube que seria pai de trigêmeos: como eu seria como pai? Mas essa é uma pergunta que não para por ai. Na verdade, quando pergunto o que será de mim, estou querendo saber o que restará de mim para meus filhos, o que vou deixar pra eles?

Não estou falando de coisas materiais, de bens, de dinheiro. Não só, claro que essa é uma preocupação, mas sei que, infelizmente, como pai idealista que sou, não deixarei muito pra eles. Falo principalmente de um legado imaterial, impalpável. O que vou deixar pra eles, que imagem eles guardarão do pai? Sabe, aquela coisa como valores, princípios que podem nortear a vida, que podem ser a estrutura deles para a vida. Difícil. Hoje em dia, esses valores estão cada vez menos cotados, parece que ninguém liga, não esta nem aí.

Acho que isso é reflexo de uma sociedade que valoriza cada vez mais o ter sobre o ser. Importa o que você tem, o que você pode comprar, o que você acumula e o que você mostra e conta pros outros. E se você tem, você pode tudo, mais que os outros, é mais poderoso. E sendo assim, não precisa ser educado, não precisa ter escrúpulos, valores éticos, nada. Eu estou cansado de ver gente mal educada, quanto mais rica, mais mal educada. Claro existem exceções.

Mas esta se tornando uma regra. Carrão bonito, novo? Sai da faixa de pedestre porque esse passa por cima. Moça cheia de jóias? Cuidado que ela vai se virar batendo a bolsa em você e não vai se desculpar. No clube? As pessoas quase te derrubam da mesa onde você estava sentado sem a menor cerimônia, como se fosse normal. Isso chateia mais porque é de se esperar que com tanto dinheiro, essas pessoas tenham tido acesso a educação de qualidade, tenham tido mais possibilidade de contato com a cultura de modo geral. Criar filhos num lugar em que existe uma apartheid social considerado apenas como um dado de segurança é muito complicado. E isso porque os índices econômicos das classes mais baixas melhoraram muito. Mesmo assim, aquele 5% da população que tem grana junto com os 10% que tem aspirações parece que quer eliminar os 85% que fazem a maioria desse país.

Essa é uma das razões pelas quais gosto de morar no centro. Moro em frente a uma das praças mais movimentadas da cidade e meus filhos convivem com a diversidade. Acho horrível essa coisa de morar encastelado, entre muros altíssimos. As pessoas ficam com a impressão de que não existe coisa pública, de todos. Também, com os exemplos políticos que temos, quem liga pra coisa que deveria ser de todos?

Mas eu estava falando do que seria de mim e do que eu deixaria como legado para meus filhos. Não sei dizer. Essa é uma das angústias que sinto sendo pai. Sim, é angustiante lidar com seus limites, saber que você pode dar apenas aquilo que você tem como valores e princípios e que isto é o tempo todo confrontado pela sociedade a ponto de atribuir-lhes valor nenhum. Eu me sinto completamente impotente, completamente.

Foram tantas as frustrações desde que eles nasceram e serão tantas ainda ao longo de minha vida com eles. Eu tive a frustração de não poder levar minha mulher pro hospital no dia do parto. Nem de trazê-la pra casa no dia de sair do hospital. Por que sempre havia muita preocupação e cuidados dos outros. E há a frustração de ter que ter a ajuda dos outros, sempre, sempre, sempre. Eu, que prezei sempre, tanto, minha autonomia. Talvez seja uma lição que a vida está me ensinando, permitir que os outros tomem conta do que eu julgo que é meu. Mas que de fato pode não ser...eu sou o primeiro a defender que os filhos devem ser criados pra vida....

Mais uma vez, vou dizer não sei. Não sei o que será dos trigêmeos, não sei o que será de mim. Não sei o que deixarei pra eles, não sei o que eles guardarão de mim. Como disse a K, uma grande leitora do blog, citando John Lennon: ‘Life is just what happens to you while you are busy making other plans’. A frase é perfeita, porque faz parte da música que o Lennon fez pro seu filho Sean: Beautiful Boy.
Será melhor não fazer planos??? Será melhor só ‘Let it be’? É, talvez sejam mesmo ‘words of wisdom’!

5 comentários:

Anônimo disse...

'Life is just what happens to you while you are busy making other plans’....YES it is........... RJ says that all the time.....funny hearing from you also....I have confirmed this over the years - specially after I stayed here in CO.....LOVE your blog!!!

K disse...

UAU!!! Que honra!!! :)

Antes de chegar no último parágrafo eu já estava pensando: "Octávio, sem se preocupar com isso, você já vai deixar muito pros seus filhos, tanto que você jamais saberá".

E aí cheguei na citação. Acho que é isso mesmo. E não acho que os valores da sociedade (ou a falta deles) ficarão mais fortes nos tri do que tudo o que eles aprenderão em casa, com você e Bia. Educação vem do berço, não? E eu já vi as fotos, os berços eram lindos :)

É sério. Digo isso por mim. Cheguei no "2º grau" num colégio onde todos achavam normal fumar maconha, por exemplo, beber, fumar, tudo isso fazia parte. Passei três anos lá dentro, fiz alguns amigos passageiros, mas, na maior parte do tempo, era vista como uma grande ET, uma pessoa de outro mundo. Isso não mudou o que eu aprendi em casa, que maconha é droga e é crime. E que fumar e beber em excesso não fará bem pra mim. Nunca na minha vida passei por qualquer uma das experiências (na verdade, eu nem bebo uma gota porque não gosto). Garanto que não foi por falta de tentativas do mundo...

Let it be (ou seja, continue sendo o pai que é).

Beijos,

K.

O Lacombe disse...

Mana,
I've just learn it now...and it is an undeniable truth.

O Lacombe disse...

K,
seus comentarios sao muito importantes, estabelecem um dialogo, muito bom. Obrigado, valeu!

Glaucia disse...

Oi Otávio,

Estava relendo algumas coisas e cheguei a este post de 2008. Quanto tempo. Ou não!! Perdi a noção de tempo. Só sei que passa muito rápido.
Mas é isso, não dá para saber. Só sei que tentamos fazer de tudo para que eles sejam pessoas felizes, responsáveis,que tenham respeito pela vida, pelas pessoas, pelo planeta.
Bjs a todos.

Glaucia