Isso é, no mínimo, curioso, considerando que eu, menino, lia muito, bastante. Não que me faltasse acesso aos livros de Lobato, pelo contrário, eles estavam lá, na estante, junto ao outros. Não que não houvesse o estímulo, as irmãs mais velhas, os primos, os colegas de escola, todos pareciam ler e gostar das histórias de Emília, Pedrinho e Narizinho no Sítio do Pica-pau Amarelo. Porque, então, não li, me parece uma indagação que ficará ainda sem solução, não encontro explicações a contento, falta-me a memória de como isso ocorreu. O fato é que, se na época, dizer não aos livros de Lobato causava estranheza e era de certo modo embaraçoso, ainda hoje, me causa desconforto não ter lido Lobato.
Sua presença é tal na literatura infanto-juvenil brasileira que parece tolo indicar um substituto. Quem poderia tomar seu lugar? Quem poderia ter tido preferência sobre ele? Quem? Quem? Volta, volta, volta aos confins mais remotos das lembranças e entre uma e outra possibilidade a resposta não poderia ser uma só. Meu Lobato foi mais de um, foram alguns, talvez vários. Então, eu tive Lobatos que ajudaram a construir minha paixão pelos livros e pelas letras.
Lembro de alguns Lobatos que me iniciaram na literatura, que me fizeram ter gosto pela leitura. Não sei com qual deles tive contato primeiro, qual foi de fato o livro que abriu passagem para que outros viessem. Isso também pouco importa. Se não foi o Lobato de verdade, também não importa em que ordem esses outros Lobatos foram aparecendo em meu caminho. Mais ainda porque esse contato ocorreu, sem sobra de duvida, na época logo após o letramento, quando as inúmeras possibilidades de arranjos de letras e palavras, deslumbra por sua infinitude de combinações que resultam em histórias.
Lembro claramente das Aventuras de Tom Sawyer, do Lobato Mark Twain. Em poucos encontrei aventuras tão emocionantes como as do menino Tom. A noite passada na caverna, com Becky Thatcher, me encheram de temor misturado a uma curiosidade incontrolável de seguir lendo para descobrir o que aconteceria com os dois. Sempre fui um menino namorador e talvez tenha sido essa a primeira história de amor que li na vida. Muito tempo mais tarde aprendi a grandeza de Mark Twain para a literatura americana e o significado de sua obra para a língua inglesa.
[Esta é a capa do exemplar que li, qua inda hoje guardo. Não guardei os outros livros, curiosamente e nao achei imagens das capas da epoca em que os li, uma pena.]
Inesquecível também foi O Menino do Dedo Verde, do Lobato Maurice Druon. O pequeno Tistu me apresentou a dimensão da tristeza, da angústia, da reflexão sobre as incongruências da vida. Foi o único titulo infanto-juvenil escrito por Druon, que faleceu recentemente.
Houve os engraçados A Vaca Voadora, da Lobato Edy Lima e O Pequeno Nicolau, do Lobato Renne Goscinny. Quanto não me diverti com essas histórias mirabolantes e cheias de graça.
Depois, teve O Meu Pé de Laranja Lima, do Lobato José Mauro de Vanconcelos. Com o pé de Laranja Lima aprendi o quão solitária poderia ser a infância que eu achava era apenas a minha. Depois desse livro, li outros de Jose Mauro.
Então devorei as aventuras de menino de A Ilha do Tesouro, do Lobato Robert Louis Stevenson, Os Meninos da Rua Paulo, do Lobato Ferenc Molnar e O Gênio do Crime, do Lobato João Carlos Marinho. Todos povoaram minhas fantasias de experimentar grandes peripécias, mas esse último teve direito a algumas releituras ao longo da vida. Por fim, Os Capitães de Areia, do Lobato Jorge Amado me deu outra dimensão do Brasil, da sexualidade, das perdas envolvidas na passagem da infância para a juventude.
Ainda hoje, fico a procura de Lobatos. Autores que renovem meu gosto pela literatura, que tragam o gosto da descoberta e da experiência da novidade. Ainda hoje encontro meus Lobatos aqui e ali e esses não são menos importantes do que aqueles primeiros. Todos eles fazem parte dessa grande construção que é o apreço pela boa literatura, pelos bons autores, pelos bons livros. Todos eles montam e remontam a memória, passada e recente, daquilo que contribuiu para minha formação e permitiu que eu chegasse até aqui.
P.S. Guardo ainda hoje uma imagem de quando histórias só existiam contadas dado o mistério das palavras, indecifráveis para um menino de três ou quatro anos. Ainda no colo da mãe ou da avó, essa imagem me fascinava e pontuou as primeiras histórias que escutei. Essas eram as contracapas dos livrinhos da Coleção Mirim, editados pela editora Ao Livro Técnico nos anos 60. As pequenas figuras flutuando no fundo amarelo eram, então, sinônimo de livro, de história e, quem sabe, de aconchego. Por vezes os Lobatos estão encarnados naqueles que nos ensinam o prazer de ouvir histórias, que mais tarde vai se transformar no prazer de ler.
29 comentários:
Oi Pai dos trigemeos,
li pouco de Lobato, pouco mesmo, mas foi o suficiente para me encantar. Se li pouco Lobato li muito Stevenson, Twain, Verne. Não foi uma questão de troca ou escolha, mas de disponibilidade. Mas como dizem, nunca é tarde não é mesmo?
Abraços. Triplos :)
Gostei...
A infância é inesquecível.
Aléxia
Sinta-se um menino do dedo verde da web!
Octávio: Foi com prazer que li o teu post sobre Lobato. Não é mal nenhum não ter lido Lobato. Se calhar não era o momento certo para ele. Quem sabe agora seja altura...para os ler na companhia dos Trigémios!( parabéns! deve ser uma aventura lidar com três...logo três! Deves ter histórias divertidas com esses meninos).
Bom fim-de-semana!
Abraço, Susana
Olá amigo!
Muito interessante o seu relato, corajoso numa blogagem de Lobato escrever o que escreveu,
"Ainda hoje, fico a procura de Lobatos. Autores que renovem meu gosto pela literatura, que tragam o gosto da descoberta e da experiência da novidade."
Identifiquei-me, tento passar isso para os meus alunos,
Abs,
(Parabéns pelos lindos trigêmeos!)
Ainda é tempo de corrigir a falha, talvez com os trigêmeos, que tal?
No meu post esqueci de falar do José Mauro de Vasconcelos, de quem li a obra inteira e foi o primeiro escritor brasileiro a viver exclusivamente da escrita.
Seu texto ficou muito bom.
Agradeço sua visita e comentário feito no meu blog.
Olá!
Tem uma coisa que eu não esperava que esta blogagem me trouxesse: reencontrar seu blog!
Eu o conheci há um tempo atráz, salvei nos favoritos mas acho que nunca comentei. Daí tive que formatar novamente o pc e perdi tudo. Então, que bom que te encontrei.Acho tão bonito o modo como você fala de seus trigêmeos!
Quanto ao post da blogagem, muito bom!
Beijos para seus pequenos e fiquem com Deus.
Parabéns pelo texto, ficou "TRILEGAL" rss Bem rico, completo.
Obrigado pelo comentário em meu blog.
Um abraço.
Marcelo
Muito legal o rumo que tomou sua crônica,mesmo Lobato não sendo Lobato. E realmente "Meu pé de laranja lima" e "Capitães de areia" são livros inesquecíveis.
beijos
Pois, não leu Lobato como eu mas leu muito e bem.
Tom um encanto. Meu pé...outra emoção.E qdo vc diz que busca "Lobatos" eu gosto disso porque com a idade a gente tende a reler, reler os "lobatos". Descobrir outros é uma dádiva.
Olá papi dos trigêmeos,
que bela família e que benção ter três filhos tão lindo de uma só vez.
Bom já tens tudo pelo que vi dois homens e uma linda princesa.
Haja estrinhas para contar, mas deve ser tão gratificante (e muito trabalhoso), mas tudo Deus sabe o que faz.
Meu querido obrigada por suas palavras e seu post é maravilhoso.
Que te abençoe e te muita saúde para poder educar essas três preciosidades.
Beijos pra ti e muitos beijos para seus tesouros!
Vovó Ro!
meu amigo, você é um herói acima mesmo de pedrinho.
e leu mais ou menos o mesmo que eu :-)
muito bem escrito
Olá!
Em primeiro lugar,parabéns! ser pai de trigemeos não deve ser uma tarefa fácil,mas com certeza deliciosa.
Adorei tudo! estou participando tb.
apareça,para trocarmos figurinhas ao longo da vida.
um grande abraço
Mari
Eu li todos esses livros q vc falou, e me vi viajando no tempo, num tempo de inocência e descobertas, muito bom tempo. Tbm nunca li Lobato, mas espero um dia ler, não por gostar dele, pois ele era a favor da eugenia, mas por curiosidade.
Bjo grande!
Não sabia que Maurice Druom tinha morrido recentemente, talvez por isso tantos procuram o "luz" atrás do "Menino do dedo verde" - das duas uma - sucesso atualmente entre as crianças e adultos.
Os meninos da rua paulo, reli recentemente. Fiquei com saudades!
O meu pé de laranja lima, tem história de família pra contar. Um dia eu conto!
Interessante a leitura de Renne Goscinny - Eu tenho a coleção de Asterix. Lucky Luke é bem legal também!
Gostei dos seus Lobatos!
Seu post 'e muito lindo!
Eu achei sensacional vc ter a capa
'e uma memoria viva
muito bom, mesmo!
;)
Oi Octávio,
eu também nunca li Lobato.
Acho que porque somos mais ou menos da mesma idade, eu já li todos esses livros que vc citou em minha infância e adolescência, voltei no tempo agora, lendo os títulos e autores.
Beijos, Eliane. ( beijo na Bia e nos Tri também)
Retribuindo a visita e admirando seu espaço! Parabéns pelo Blog e pelos filhos.
Também li muitos livros, e Jorge Amado foi um dos meus prediletos durante muitos anos.
Depois fui diversificando e experimentando vários autores e temas. Adoro ler!
Volto outras vezes, ok??
Beijinhos
Oi, Octavio!
O Lobato, ele mesmo, só foi aparecer na minha vida, quando já era quase adolescente... peguei um livro emprestado na casa de uma amiga, há mais de trinta anos, e até hoje ele está comigo... Às vezes, faço dessas, uma forma de manter um vínculo com @ don@ do livro... ou sei lá... apropriação indevida mesmo...
As obras que mencionas também fizeram parte de minhas histórias... algumas na infância e adolescência, outras mais tarde, quando na especialização (não concluida, em literatura infantil)...
Mas o Lobato só virou definitivo quando comecei a lê-lo para meu filho... agora, houve o (re)encantamento...
Quero aproveitar para dizer que gosto das blogagens coletivas por isso: chegar em praias inimagináveis! como esta tua praia!
Muito bom!
Abraços!
É muito bom lembrar da infância! Parabéns pelo texto.
Sabe, sempre tive Lobato como referencial, contudo, li apenas um livro, para ficha de leitura do colégio. Mas o gosto pela leitura é realmente cultivado desde a infância e, conforme viajei na sua postagem, me lembrei de quando meus filhos eram pequenos, qdo nas tardes de chuva faziamos leitura, que saudade!
Que belo espaço!
Seu post está maravilhoso! Bom saber que tiveste outros "Lobatos", sejam quais forem, sendo o importante a viagem que estes livros permitem qualquer criança a fazer, dando-nos mais asas no decorrer da vida.
Retribuindo a visita, encontrei um pai simpático e guerreiro, pois são 3 filhotes lindos que ilustram este blog...
Parabéns, papai!
Bjs e um excelente domingo!
Orgulho de Ser
Bom dia Pai dos Trigêmeos !
Antes de qquer coisa, agradeço pela visita e pelo comentário sobre minha blogagem. Obrigada!
Gostei muito da sua blogagem, de suas experiências...E é uma verdade, aqueles que gostam de ler, estão sempre à procura de novos Lobatos que tragam um novo olhar, um novo questionar, uma nova aventura, uma bela mensagem enfim...sempre em busca de algo novo!
Parabéns :o)
Beijos
Até...
Que coisa mais linda a forma com que você refere aos seus três filhinhos, deve ser um pai incrível.
Gostei muito do seu texto, da essência e magia sobre o gostar de ler que você conseguiu nos passar aqui no seu blog.
Grande abraço
Octávio, fiz um passeio na memória através destes títulos que você enumerou. :-) Muito obrigada por sua participação ativa nesta coletiva .
Abraço
Meu marido tb tem uma cópia deste Tom Sawyer, versão com tradução especialíssima de Cony. Só conheci a história quando começamos a namorar, já na adolescência, mas brinquei como criança na Disney Tokyo quando achei os brinquedos que refazem o Mississipi de Tom e Huck.
Gostei muito das suas lembranças e agradeço sua visita. Estou assinando o feed para saber mais dos trigêmeos. :)
incrível sua memória fantástica! Em tempos em que eu ando esquecendo até o que fiz no dia anterior(rsrsrs).Vir que vc tem todas essas recordações é de tirar o chapéu!
: )
Beijos a todos vcs!
Bela crônica! Parabéns!
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