novembro 13, 2009

a história da mudança [7] – motivações

Como já contei, Bia e eu sempre quisemos voltar a morar fora do Brasil. Nunca havíamos pensado no Canadá. Em 2007, época de nossa viagem, tínhamos vários motivos pra pensar em imigração, todos válidos ainda hoje.

Passou meio batido pra mim quando o irmão da Bia, em 99, foi ao Canadá e voltou de lá falando em mudar, imigrar. Ele falou disso um tempo, estudou francês, mas depois acho que esqueceu. Isso foi logo depois que voltei do MIT. Em 2000 nos casamos. Enquanto minha vida pessoal ia de vento em popa, minha vida profissional era um martírio.

Passei 6 anos de sofrimentos na universidade em que trabalhava. Nunca me considerei um professor brilhante, mas estava longe de ser um professor ruim. Até hoje me orgulho de conseguir manter a atenção de 80 alunos em sala de aula. Pra quem conhece cursos de arquitetura sabe que isso é bem difícil. E eu conseguia fazer isso com aulas teóricas de História da Arquitetura Brasileira. Além dos 80 alunos da turma, eu ainda conseguia atrair a atenção de alunos de outros anos. E isso durou uns 3 semestres. Além disso, eu dava um curso de linguagem da arquitetura que me deixava esgotado, mas que também era bastante respeitado pelos alunos.

Depois de um tempo, graças à política educacional do Paulo Renato e do FHC, que permitiu abrir cursos de qualquer coisa em qualquer lugar, a escola foi diminuindo, o clima foi ficando tenso. O diretor não me via com bons olhos, promovia inclusive uma certa vigilância sobre mim, uma espécie de perseguição velada, sempre inventando algo que pudesse me comprometer. Durantes uns 2 anos eu dei um curso de desenho com modelo nu, como se faz na FAU USP desde sempre e quase fui demitido. Dava o curso escondido, numa sala fechada, longe de todo mundo, em segredo. Sorte minha que isso não um tratamento exclusivo a mim, a perseguição rolava sobre alguns outros colegas também. Depois de muita briga e pressão, o tal diretor acabou indo embora. Mas a universidade já ia de mal a pior.

Em 2002 entrei no doutorado da FAU USP e procurei a única pessoa que poderia me orientar no nível de exigência que eu mesmo me colocava. Foi um privilégio aproveitar da sabedoria de Lucrécia D’Alessio Ferrara durante a feitura da tese. Foram 4 anos de produção intelectual intensa e a tese saiu a contento, melhor do que eu esperava. A defesa foi em 2006, no dia em que comemorava os 80 anos de nascimento de meu pai, 31 de maio. Um mês depois a universidade ofereceu um plano de demissão voluntária focando, principalmente, os professores doutores. Quem ficasse teria o salário diminuído em quase 50 por cento. Não dava mais, não agüentei. Saí.

Como em todas as atividades em que me envolvo, eu me entregava à universidade de corpo e alma. Sou um idealista e me dedicava integralmente, comprei o projeto, o defendia com ganas. Dava aulas apaixonadamente, me envolvia na política educacional, procurava contribuir em todas as áreas em que pudesse. Mas nesse período a educação no Brasil mudou muito e pra pior. Foi a época do varejo das universidades, cursos abrindo sem parar em quaisquer condições. Os alunos pioravam, as condições de trabalho eram cada vez mais precárias, a universidade, que um dia havia tido um projeto, deixava de investir e aderia ao varejo da concorrência. Eu me desanimei completamente. Desisti. Não foi fácil, mas achei que seria melhor ficar longe disso do que adoecer de tanto sofrimento.

Tentei mudar de área, contratei um consultor de carreira que depois de um mês trabalhando comigo disse que eu deveria investir em educação mesmo. Tive arrepios. Depois disso ainda fiz 2 concursos públicos em universidades federais. Saí classificado nos 2 em primeiro lugar, mas não fui efetivado em nenhum deles.

Se por um lado, a falta de perspectivas profissionais no Brasil era um forte motivo pra olhar o Canadá com muito bons olhos, por outro, as condições de nosso país davam o empurrão que faltava pra realizar uma mudança definitiva.

3 comentários:

Paloma Varón disse...

Octavio, finalmente alguém fala, sem eufemismos, da merda que foi a política educacional de FHC/ Paulo Renato. Eu estava na universidade nestes anos, vi de perto o sucateamento das federais (eu estudei em uma), osmelhores professores se aposentando e as aulas sendo dadas por substitutos nunca efetivados. Se eu fosse professora (e doutora) também iria cuidar da minha vida. É uma pena que vc tenha que migrar para exercer sua profissão. E saiba que eu admiro muito os professores. Mas entendo que chega uam hora em que vc tem que pensar em vc e na sua família (e não adoecer pelo trabalho, como vc mesmo disse).

Thais disse...

Acho que esse consultor tem toda razão, vc como um idealista que é tem a obrigação de ser um educador profissional rsrsrsrs.
Abraços!!!!
Estava com saudades do blog, dos tri e de vc.

Jussara disse...

Realmente e infelizmente o governo FHC fez um desserviço e contribuiu muito para a desvalorização e rebaixamento do nível da educação. Hj qualquer faculdadezinha meia boca oferece cursos de MBA quando nem os cursos de gradução são razoáveis. A educação virou um comércio :/.

Uma pena e uma tristeza que o nosso país não saiba valorizar profissionais como vc, ainda mais sendo da área da educação, uma das áreas mais importantes de qualquer país, pois todas as profissões passam por ela, começando do be-a-bá que a gente aprende na pré-escola. Sem falar que além de tudo, vc gostava do que fazia, fato algo raro nos professores de hoje. Se é verdade o que diz o título daquele documentário, a pessoa é para o que nasce, vai ver vc nasceu mesmo para ser professor, não tem como fugir! ;)