junho 18, 2008

Conversas com o imponderável

Até hoje me pergunto por que sou pai de trigêmeos. Pois é, é difícil aceitar o imponderável recaindo sobre sua vida. Tudo bem, a vida é assim mesmo, imprevisível, tudo pode acontecer, a qualquer momento uma surpresa. Como dizem por aí, certo na vida só uma coisa, que é passar desta pra melhor. Quer dizer, isso para aqueles que são otimistas. Tá certo, podia ter acontecido outra coisa, uma coisa ruim, sei lá, podia ter sido uma coisa triste. Mesmo assim, vou dizer, não é fácil encarar uma coisa que vem assim, completamente sem aviso, de repente, te pegando desprevenido e mesmo na completa contramão do que você estava planejando.

Sim, por que eu nunca quis ter tantos filhos assim. Bom, é melhor explicar antes de arrumar confusão. Eu adoro os meus trigêmeos, tenho paixão por eles, tenho por eles aquele amor incondicional que eles me fizeram descobrir. E eu queria ser pai sim, eu pensava até em ter apenas um filho , mas planejava outras coisas. Planejamento é algo na minha vida que se apresenta de duas maneiras diferentes. Uma é que eu nunca planejei muito minha vida, sempre deixei correr, easy going, coisa como ‘não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar, é ele quem me carrega como não fosse levar’, grande samba do Paulinho da Viola. A outra é que sei como planejar as coisas pra acontecerem da melhor maneira possível, a melhor logística pra tudo, pra não ter erro, facilitar os processos. Sou bom nisso, sei lá por que cargas d’água. Mas isso funciona pra outras coisas, profissionais e não pra minha vida pessoal, privada.

A primeira vez que resolvi planejar minha vida foi depois que me casei com a Bia. Quem gosta de fazer isso e está acostumado a fazer, sabe do que estou falando. Eu olhei pra minha vida tentando traçar um caminho para o futuro, olhando para um futuro onde eu gostaria de chegar. Coisa do tipo, bom daqui a dois anos quero fazer isso, então tenho que preparar tal e tal coisa; daqui a cinco anos quero estar ali, então traçar os passos para chegar lá; e daqui a dez, isso, aquilo e aquilo outro. Até que funcionou muito bem nos 4 anos de casados antes dos filhos. E eu estava gostando e muito da brincadeira.

Parece que foi castigo ou peça da vida. ‘Ah é, você está gostando de planejar? Acha que pode ter sua vida nas mãos? Ah é, então você vai ver só como não dá pra seguir um plano quando se trata da sua vida!’ E aí Cabong! [Quem se lembra do Pepe Legal e seu violão?] Lá vem uma viola na cabeça! Alguns vão dizer taí, o cara está se sentindo vítima da própria vida. Eu mesmo me pergunto isso algumas vezes, será que me sinto vitima do imponderável, do lado imprevisível da vida? Às vezes sim, acho que me sinto roubado dos planos que fiz, da vida que queria ter e estava construindo. Mas também sei que a graça da vida é exatamente contar com os imprevistos, com o drible inesperado, com as combinações mais inusitadas.

Preciso confessar uma coisa. Pois é, tive uns filhos perdidos na vida, coisas da juventude. Sofri muito com isso, era muito jovem, ficou uma cicatriz profunda que tem suas marcas ainda hoje. Isso foi uma das coisas que me fez encarar a paternidade como uma coisa muito séria e talvez tenha me feito postergar a aventura de ser pai por muito tempo. Pra quem acredita e crê esse fato é um prato cheio. Claro, o que foi perdido e te pertencia agora voltou, é seu. Mesmo sem acreditar muito eu sempre falei isso, ‘tá vendo, esses são os filhos que perdi e que agora vieram me encontrar de novo!’

Saber de todas essas coisas não muda a minha situação. Na verdade me sinto outra pessoa depois dos trigêmeos. Não sei se melhor ou pior, mas sou outra pessoa. Como sou bastante auto crítico, acho que sou pior hoje do que era antes. Não sou tão bem humorado, não estou na forma física em que estava, não tenho disposição pra encarar qualquer coisa, prefiro ficar em casa a sair pra ver pessoas, tenho menos paciência e sou menos tolerante com certas coisas e por aí vai. Acho que ser transformado em pai de trigêmeos da noite pro dia foi um peso muito grande pra mim. Acho que envelheci dez anos em quatro. Não tô brincando não! Imagina isso acontecendo com alguém idealista como eu que encara as coisas que faz como missão, que mergulha de cabeça e se doa totalmente por uma causa e aí talvez dê pra entender como me sinto.

Então fico povoado de sentimentos contraditórios, extremos, que vão da profunda alegria de ter três filhos maravilhosos, saudáveis, espertos à profunda tristeza por não poder controlar os passos de minha própria vida. De um lado, eu realizei um sonho de, ao ter filhos, refazer minha infância ao vê-los brincando. Tenho uma certa melancolia da minha infância que foi um pouco solitária. Eu tenho três irmãs e então brincava muito sozinho. Eu contava estórias e segredos pro meu cachorro, um vira-lata desses de pelo amarelo e patas brancas, chamado Xodó, sabendo que dali não sairia nenhuma palavra sobre nada dos meus sonhos de menino. Do outro lado olho para aquilo que poderia ter acontecido e não aconteceu, penso no que poderia ter sido e não foi. E isso me entristece, mesmo sabendo que ‘SE’ na vida não existe.

[quem sabe o que poderia ter sido...]

Tenho que confessar outra coisa. Não tive muita sorte na minha vida profissional. Escolhi trabalhar com educação num país em que educação é artigo de luxo e não um bem de primeira necessidade, em que não há projeto de educação, em que o nível de educação das pessoas não melhora e isso já se tornou até parte da nossa cultura, mais um item da cultura de privilégios. Na verdade, acho que não escolhi trabalhar com isso, fui escolhido [a estória da missão], acho que é uma coisa de família que tem um longo histórico [quem é do Rio já deve ter ouvido falar do Colégio Jacobina]. Então, ser professor no Brasil é um sofrimento danado, por que não é uma atividade reconhecida com o valor que deveria [a estória do ideal]. E eu sofri muito na universidade em que trabalhei por 12 anos. Em 2002, no auge de uma crise que me fez desacreditar totalmente da educação no país, pedi aos céus por alguma coisa que pudesse me dar alento ou desse sentido a minha vida me tirando daquele buraco em que me encontrava. Algum tempo depois, a história dos trigêmeos teve início. Acho que o imponderável me escutou...

5 comentários:

K disse...

Tem uma frase do John Lennon que eu não conhecia, mas meu marido fez questão de me dizer um dia: "Life is what happens to you while you're busy making other plans".

Não tem muito jeito, né? A gente pode planejar, mas tem que saber que, a qualquer momento, tudo pode mudar.

Beijo,

K.

O Lacombe disse...

K,
os poetas sao mesmo as antenas da raca. Adorei a frase e vou adotar!
Voce eh umas das minhas maiores leitoras e a maior comentadora. Adoro seus comentarios.
Valeu! Beijos

Anônimo disse...

Meu querido irmao.....abri a comporta da charadeirsa quando li seu blog hoje....minha nossa - a foto de 36 anos atras quase parou meu coracao! nao posso ler seu blog no escritorio - dou vexame - tive que ir andar em volta do quarteirao pra "get a grip of myself" :)
saudades
mana'

O Lacombe disse...

Tambem nao sei se rio ou se choro quando leio seus comentarios. Voce viu que foto linda, eh do RG, acredita?
Andava sentindo falta dos seus comentarios.
beijao

marisa disse...

Acho que consigo entender seu desabafo... Qdo os gêmeos nasceram um amigo disse: "não se culpe se vc não estiver se sentindo feliz..."
Mas a sociedade impõe que vc tem que ser a pessoa mais feliz por receber um filho, com gêmeos a felicidade é dupla e com trigêmeos, então, vc já deve estar cansado de escutar...
Não é que não estejamos felizes, ou que não gostemos dos nossos filhos! Ao contrário, vai brotando um amor por esses seres que dá vontade de engoli-los!!!!! Mas sem duvida, não temos mais vontade própria, vida própria, $ próprio e o planejamento ds vida, agora em função deles, nós vamos tentando...
Acho que não preciso me sentir um ET por minhas crises maternais! Um abraço!