outubro 08, 2009

o clube do filme

[clique na imagem para ler um trecho do livro no site da livraria Cultura]

Dá pra perceber que eu não ando super sintonizado com as coisas que acontecem. Estou sempre uns meses atrás. Tudo bem, no fim das contas não faz muita diferença. O livro O clube do filme foi lançado em português já faz um tempo, em inglês há bem mais tempo. Tudo bem, ouvi falar dele antes, mas só agora consegui tê-lo nas mãos pra folhear um pouco. E gostei do livro. Vamos aos porquês.

Minha relação com a educação escolarizada é bastante controversa. Quando eu era pequeno, lembro de me divertir muito na escola. Até que, quando estava entre os 9 e os 10 anos, cruzei com uma professora de matemática que me fez odiar a escola. Incrível como o professor exerce um papel fundamental na formação das pessoas. Se for bom, será inesquecível. Se for um mau professor, também será sempre lembrado, muito mais pelas seqüelas que deixou na pessoa do que por seus atributos, melhor dizendo, pela falta deles.

Aquela professora me fez dizer que eu não queria mais estudar, me fez pensar em abandonar a escola, me fez querer nunca mais estudar na vida. Claro que isso não aconteceu, pelo contrário, mas nunca mais aprendi matemática na vida. Até hoje tenho profundas limitações com a matemática. Isso foi determinante em minha vida. A escolha do curso universitário e da carreira passou por esse crivo. Veja o poder e a responsabilidade de uma pessoa sobre centenas, senão milhares de outras.

Naquela época eu não poderia prever que estudaria tanto como estudei. E minha relação com a escola sempre foi de amor e ódio. Amor pelo conhecimento, ódio pelas regras. Afinal, a escola é uma forma, um molde, formata as pessoas. E nem todo mundo se enquadra tão bem ao mesmo formato. Bom, isso é a história da civilização moderna, basta ver Foucault em Vigiar e Punir. Enfim, estudei muito mais do que a média das pessoas no Brasil, fiz mestrado e doutorado. E da relação de amor e ódio com a escola acabou surgindo o professor. Confesso que fui um professor pouco ortodoxo e estimulava a contravenção às regras, mas no momento em que os adolescentes estão tão dominados pelas convenções, o que eu fazia era apenas estimular a pensar um pouco diferente, a enxergar possibilidades, incentivava o espírito crítico.

Depois disso tudo vieram os filhos, os trigêmeos e então eu me tornei uma espécie de orientador, de pai educador, preocupado com a formação integral deles. Claro, a escola está dentro do rol dos itens preocupantes quando se pensa na formação de pessoas com autonomia e, no mínimo, interessantes. E a vida escolar é longa e toma boa parte da vida das crianças e adolescentes. Os tri estão apenas no começo dessa longa estrada.

Eis que aparece um livro super interessante sobre a relação de um adolescente com a educação e a escola, através da mediação do pai. Interessante sobretudo é a relação entre pai e filho. O Clube do Filme, de David Gilmour [The film club, Twelve, 2009, USA]. Uma sinopse rápida seria: ‘Pai que percebe que o filho adolescente não gosta da escola libera-o da obrigação de freqüentá-la, exigindo apenas que os dois assistissem 3 filmes por semana juntos.’ E os dois fizeram isso por três anos! Até que o menino resolveu voltar a estudar.

Achei de uma coragem incrível! Arriscar que o filho saísse da norma justamente nessa fase conturbada da vida. Que atitude! Isso sim é pai que participa. Acabo de comprar o livro, estou bem no comecinho. Mas me parece uma bela história, um grande exemplo que mostra que outras possibilidades existem nessa vida. Num momento em que estou meio cansado da mesmice e tendo dificuldades pra achar qualquer coisa interessante, apenas a idéia que originou o livro me deixou empolgado.

Ao longo da minha vida, tive outros momentos de rebeldia contra a escola. Depois do colegial, não quis fazer o vestibular. Ao invés disso fui ser missionário no nordeste, no sertão de Pernambuco, trabalhando com a população sem teto, sem comida, sem o mínimo necessário para vive dignamente, a miséria absoluta. Fui pra ficar um ano. Agüentei seis meses. Fiz o vestibular e depois de um ano no curso de jornalismo, larguei a faculdade e fui ser trabalhador. Fiz de tudo, durante três anos. Vendi camisetas, sapatos, gravuras, desenhista freela, trabalhei em livrarias. Três anos de experiências. Até que escolhi outro curso e acabei me formando, fazendo mestrado, virando professor e defendendo uma tese de doutorado.

Desde quando tenho 18 anos acredito que a vida ensina. E ensina mais que a escola. De modo geral, a escola é uma instituição chata, careta, quadrada [claro, há exceções], porém, necessária [até certo ponto e, pra cada um, necessária de um jeito diferente]. Mas não precisa ser tão chata, pode haver alternativas. Na verdade a escola é uma estrada que pode ser trilhada de muitas maneiras diferentes.

Espero que, caso no futuro precise enfrentar situações como essas com os tri, eu tenha a visão, a coragem e a firmeza que teve David Gilmour. Afinal a vida é uma grande escola, senão a melhor de todas.



veja outra entrevista aqui

9 comentários:

Papola Malfoy disse...

Oi!Meu nome é Kamila. Tenho vinte anos, sou universitaria e sempre tive um grande sonho: ter trigêmeos. As pessoas dizem que é loucura, que dá muito trabalho...mas a partir da reportagem que li hoje da Unilever percebi mais uma vez que apesar do trabalho a recompensa vale a pena. Parabéns pelos lindo filhos, pela belíssima história, e principalmente pela grande idéia do blog que possibilita que alguém como eu possa ao menos saber um pouco da vivência de "trigemêos"...quem sabe um dia o papai do céu me faça ser merecedora dessa alegria!
Boa sorte a todos!!!
Com certeza vocês ganharam mais uma leitora que espera pelas novas aventuras dos tri!

Paloma Varón disse...

Ah, vc tem um pé no jornalismo, por isso gosta tanto de escrever (e escreve tão bem)! Mas que bom que vc se livrou a tempo, hehehe.

Eu não vou educar minha filha para fazer vestibular. Acho estas escolas que começam a preparar para o vestibular aos seis anos o fim. Eu quero mais é que ela fale línguas e tenha uma educação multicultural, para que possa conviver com as diferenças e ser/ fazer o que ela bem quiser da vida. É isso.

Soraya Wallau disse...

Nossa!!! Valeu, por colocar os dados do livro, vou comprá-lo com toda certeza, tbm tive uma vivência escolar bem conturbada, não por minha causa, mas por causa de dois irmão, um superdotado e mal direcionado e outro dislexico e tbm mal compreendido, por ser "normal" tive a minha vida escolar atrapalhada.
Bom, mas isso é assunto longo
Bjo grande, valeu a dica!

Maura Fischer disse...

Pode até ter dado certo, mas esse pai é meio doido!!!

Thais disse...

Fantástico!!! Amei o texto, me deu dor no peito! Me identifiquei!!
A verdade é que a escola é feita de muitas regras, o pior é ter que se adaptar porque caso contrário o sofrimento é pesado, a criança sofre.Você teve sorte de ter se encontrado, tem gente que não se encontra nunca e isso sim é triste.
A maioria dos professores não tem noção de como estimular as crianças e muitas vezes atrapalha. Eu combinei com a Júlia que se ela ler 3 livros por mês ela não precisa estudar para as provas, na minha opinião tem dado certo, ela fala sobre tudo, tem uma boa leitura, se expressa muito bem, e tira excelentes notas. Na opinião da professora ela acha que a Júlia não deveria ler livros que não sejam exatamente para idade dela.
A minha preocupação como mãe é que ela seja uma pessoa forte e preparada para sobreviver a esse mundo cada dia mais caótico.
Eu tive sorte de ter você como meu professor que me informou sobre conteúdos importantes para a minha formação de arquiteta mas tive mais sorte ainda de ter vc como educador que me estimulou, me provocou e me desafiou. Se meus filhos tivessem bons educadores assim, ficaria tranquila pq dos professores ruins eu não me lembro de nada, nem das aulas rsrsrsrs.
Abraço!!!!!!!!!

Glória disse...

Esse pai não é tudo de bom ???
Que sorte desse rapaz...
Não vejo a hora de conseguir esse livro.
Mais uma vez, obrigada Octávio.
Hei ! saiu a matéria no jornal/revista da Unilever ? Como nós (seus fãs) poderemos consegui-la ?
Como eu poderia entrar em contato com a Thais (do comentário acima)? Minha filha teria idade próxima a da filha dela ? (a minha filha leu a coleção toda de Stephenie Meyer em uma semana...).

Lucio T disse...

Olá Octavio,

Teu texto me lembrou de um livro que foi fundamental na minha época de licenciatura: Sociedade Sem Escolas, de Ivan Illich
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ivan_Illich
Provavelmente você já o conhece. Se não, vale a pena conferir.

Grande abraço,

Lucio

Glória disse...

Não só comprei o livro, como, mesmo sem ter lido, mas aproveitando a oportunidade, entreguei-o ao querido Fernando Meirelles. Quem sabe ele nos presenteie com um incrível filme dessa interessante história de vida ?
Fernando disse que estava mesmo querendo ler o livro pois já haviam comentado sobre essa história com ele.
Sou mesmo sortuda. Ter a oportunidade de entregar para alguém que tanto admiro e respeito, mais que pela genialidade, pela sua humildade, foi bom demais...

Já consegui outro livro para mim.

E por falar nisso, quem quiser dar uma espiada no site da O2 é
www.o2filmes.com
Tem muita coisa boa acontecendo nessa produtora, e é brasileira !!

Outro livro que comprei foi Veronika decide morrer, do senhor Paulo Coelho. Nunca quis ler nada dele. Olho para ele e vejo escrito em sua testa : oportunista.
Tenho aqui minhas reservas com o escritor. Já na primeira página ele escreve que a tal Veronika folheia uma revista que tem um anúncio (ou coisa parecida) sobre um novo jogo de computador, CD-ROM criado por um escritor brasileiro chamado Paulo Coelho...
Mas o que é isso ? Que self- marketing descarado é esse? Como ler um livro que já na primeira página diz isso ?

Jussara disse...

Nossa, Octávio, muito legal esse seu post, saber um pouquinho mais da sua história. Mesmo que vc não tivesse dito, pelos posts dá pra notar que vc é um grande educador, acima de tudo, e isso é ótimo.
Realmente os professores têm esse poder de influenciar os alunos, pro bem ou pro mal. Eu tenho sérias dificuldades não só com matemática, mas com exatas de maneira geral, por conta dos professores do colegial, e acabei meio que escolhendo um curso em que elas não pesassem tanto no vestibular ( e acabei me dando mal). Não é à toa que tem um ditado que diz, que enquanto um médico pode matar uma vida, um professor pode matar quarenta de uma vez.
Esses dias li o texto de uma amiga que é professora e ela dizia que sempre quis ser professora e que uma professora em especial a influenciou na escolha da matéria (literatura/línguas). Achei super bacana. Eu, por meu lado, nunca quis ser professora pq minha mãe é uma, e eu sei muito bem a situação que é. Quando leio seus posts do outro blog dizendo que ficou decepcionado com a educação, etc e tal, entendo perfeitamente.
Mas, voltando: achei muito bacana essa oportunidade que vc teve de poder viajar, e depois de poder trabalhar em diversas áreas, antes de partir pro curso superior ( e depois continuar estudando ainda mais). A gente termina o colegial muito cedo e acho uma loucura alguém entre 16 e 18 anos ter que escolher um curso que o qualficará para uma profissão "para o resto da vida". Se eu tivesse tido essa oportunidade de poder escolher não entrar já de cara na faculdade, acho que teria feito uma escolha melhor. Mas enfim, nunca é tarde pra recomeçar, é o que dizem.
Eu gostava de ir à escola até a oitava série, apesar das regras e da caretice. Mas no segundo grau eu não me adaptei e meio que passei por ele, sem saber o que fazia sentada naquelas carteiras.
Muito corajosa a atitude desse pai, e acho que o seu penúltimo parágrafo disse tudo, até pq, a escola apenas instrui, educação é outra coisa.
Ahh, esse nosso sistema de vestibular tb é horrível, deveria mudar urgentemente.
E por fim, desculpe o comentário gigantesco. Fiquei um tempo sem comentar e acabei me empolgando com esse assunto.

PS: e por falar em educação, se vc gosta de filmes, um que trata do assunto e foi muito aclamado, é o francês "Entre os muros da escola", caso vc não tenha visto ainda.