Não sei por que cargas d’água tenho lembrado de minha avó nos últimos dias. Essa era uma expressão muito dela. Acho que já faz 10 anos que ela nos deixou sem sua alegria. Era tão pequenina, delicada, doce, alegre, divertida. Dificilmente ficava de mau humor ou brava com alguma coisa. Estava sempre, sempre saltitante e alegre, risonha. Andava pelo centro da cidade com se fosse um bairro do interior, falava com todo mundo.
Teve uma vida formidável, como ela mesma diria. Caçula de 7 irmãos [Bernardo, Filomena, Fausto, Floro, Maria José, Maria Rosa e ela, Martha], nasceu no Ipiranga em 1912, quando aquela área da cidade ainda era praticamente rural, eram as chácaras do Ipiranga. Aos 19 anos casou-se com Otavio, um militar do estado do Pará que largou a farda por uma carreira no Banco do Brasil. Viveram confortavelmente, tiveram dois filhos. Ele fazia tudo por ela, compras, administração da casa, tudo. Tiveram 2 filhos, um casal. Ela tocava violão, fazia tricô, jogava baralho. Nos anos 40, Otavio foi gerenciar o Banco da Borracha em Belém do Pará. Dessa época minha mãe, que foi para lá pequena, tem lembrança das frutas nas ruas.
Quando meus pais foram morar fora do país, em 1960, meus avós foram visitá-los. Meu avô, um paraense cabra macho, que bebia um ovo inteiro, casca e tudo, batido com uma caracu e ainda pingava limão nos olhos, teve um derrame fatal. Ele tinha 53 anos, ela 47. Não cheguei a conhecer vovô Otavio. Viúva, teve que aprender como se faziam as coisas mundanas do dia a dia. Nem cheque sabia assinar. Viveu bem o resto de sua vida recebendo a pensão do Banco do Brasil.
De sua casa em São Paulo, tenho boas recordações. Da horta no jardim dos fundos; da garagem que servia de área de serviço e tinha uma máquina de lavar roupas com um torcedor de roupas elétrico que eu insistia em por à prova com meus próprios dedos; do pequeno Lofi [nome que deriva de loaf, fatia, pedaço em inglês. Alguém deve ter achado que ele parecia um pedacinho de bolo quando filhote e o batizou assim], um Fox Paulistinha muito esperto; do jardim de inverno com cadeiras de ferro e couro de vaca que hoje estão na minha casa; do lavabo embaixo da escada de madeira; da minha alfabetização com minha madrinha na sala de jantar; da Babá, que fazia guloseimas deliciosas, ambrosias, pães de Ló, ovos nevados, que chamávamos e ainda chamamos de ovos levados.
Lembro também que aquela casa era palco das mais altas jogatinas e recebia democraticamente amigos de todas as tribos possíveis [sim, naquela época já haviam tribos, sim!]. Lembro-me do Cássio, parecia um conde, perna quebrada numa queda do ultimo vagão do trem quando voltava do carro restaurante. E do Assis, um velhinho, sempre de boina e echarpe para se defender da umidade fria de São Paulo. Foi nessas rodas de jogo que meu pai conheceu minha mãe, então uma menina de 16 anos, levado por seu irmão Marioto, já amigo do Lima, como era conhecido meu avô Otavio. Como meu pai casou-se com minha mãe, isso é outra história.
O fato é que ficaram tão amigos, meu pai e meus avós, que os velhos confiaram a filha a meu pai, então um rapaz. E o danado se dava tão bem com a sogra que era ela que, nas festas, levava [ou lembrava delas] as piadas a serem contadas. Meu pai contava uma e quando terminava vovó dava a deixa: ‘conta aquela do papagaio manco!’ E o velho: ‘Boa, Martinha!’
Quando eu tinha uns seis, talvez sete anos, isso lá por 1969, ela fez uma cirurgia. Tirou três quartos do estômago e foi proibida de fumar. Foi morar conosco no Brooklyn, na casa da rua Martim Francisco, 479, hoje rua La Place. Ficou lá por meses. E a danada fumava escondida no banheiro, menos de 15 dias depois de passar na faca. Nunca mais teve nada, nem um sinal de dor de estômago. E continuou fumando como uma chaminé.
[continua...]
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3 comentários:
oi otávio! Que delícia de história essa da sua vó marta! É tão bom a gente conhecer essas histórias, né? Fiquei pensando nisso...conheço um pouco a história dos meus pais mas dos meus avós quase nada...e só me restou uma avó pra contar a história! Acho que vou aproveitar pra colher esse depoimento! hehehe E o seu nome é uma homenagem ao avô Otávio, né? Muito bacana! bjo,
oi Octávio!! quanto tempo!! quem vos escreve é o Armando, amigo do André, Marcelão, Bia..... hoje marido da Dani e também pai de três filhos! 1+2, nosso mais velho de três anos e dois meninos gêmeos de um ano e meio... muito legal o blog, é a primeira vez que acesso. a Dani vai adorar! que beleza teus meninos e tua menina! um abração!! armando.ast@hotmail.com
Octávio, esse [continua...] é de matar...
Por favor, comece logo a escrever seus livros...
É preciso. Já nào há porque nos fazer esperar !
Glória
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