agosto 05, 2009

mais de ubatuba – o chaveirinho da Laura

Ser pai é mesmo difícil. Educar é uma das tarefas mais árduas de que já tive notícia. É trabalho de formiga, todo dia, o tempo todo, sem descanso. Eu me considero um pai rigoroso, bravo quando necessário. Imponho limites, não deixo de corrigir os erros. Gosto de conversar, explicar, orientar, mas não deixo de tomar medidas mais enérgicas se a situação solicita. Acontece que algumas situações são como puxadas de tapete, é como estar sem os pés no chão, sem saber o que fazer, que atitude tomar, o que dizer.

No dia em que fomos ao cinema assistir a Era do gelo 3, ficamos um tempo ali na frente do cinema, esperando o horário da sessão. As crianças ficaram por ali, brincando, olhando vitrines. Bem ao lado da entrada do cinema tinha uma loja com carrinhos e outras bugigangas, do tipo que crianças gostam. Eu me sentei meio afastado, num banco e fiquei só olhando a criançada. Bia foi comprar balas pra todo mundo. Então Laura veio me chamar pra ver uma coisa que ela queria comprar. Me mostrou um chaveirinho de sandália de dedo, disse que queria um. Era uma parede repleta desses chaveirinhos. Disse a ela que conversaríamos depois do filme.

Assistimos ao filme, voltamos pra casa. No dia seguinte, de manhã, fui ajudar a Laura a trocar de roupa e vi um chaveirinho da tal sandália entre suas coisas. Perguntei se a mamãe havia comprado pra ela. Ela disse sim. Achei estranho. Depois perguntei pra Bia a que horas ela havia comprado o chaveirinho pra Laura, pois eu não havia visto quando comprou. Chaveiro, que chaveiro? Pronto. A menina pegou o chaveiro. E agora?

A sensação é horrível. Como aconteceu? Como eu não vi? Como eu não estava por perto quando ela precisou orientação? Bom, o erro já estava feito. Agora era remediá-lo, aproveitando a situação para ensinar o certo. Mais que ensinar, nessas horas a gente aprende. Na primeira oportunidade, conversei com a Laura. Primeiro perguntei como ela havia conseguido a sandalinha. Ela contou que queria muito e pegou. Então eu disse que ela não podia pegar as coisas que não eram dela, que coisas que estão nas lojas têm que ser compradas com dinheiro, que pegar coisas dos outros e de lojas era roubar, uma coisa muito feia, uma coisa errada, que não pode ser feita. Terminei dizendo que isso não era uma coisa admissível na nossa família e que ela teria que ir devolver o chaveiro e se desculpar com as pessoas da loja.

Imagina, isso tudo com Laura aos prantos e eu com o coração partido, não só por ela, pela dor do duro aprendizado, mas por mim, que me sentia desamparado, triste, culpado. Dei-lhe um abraço apertado, um beijo. Ela pediu desculpas. Perguntou se eu iria com ela devolver o chaveiro. Disse que sim, que estaria sempre por perto pra ajudá-la, sempre que necessário. Mas que ela nunca mais fizesse aquilo. Ela abaixou a cabeça, disse que sim. Ela estava envergonhada. Eu, arrasado. À tarde, na companhia da Bia, que também conversou com a Laura em outro momento, fomos devolver o chaveiro. Laura pediu desculpas. A situação foi constrangedora. Mas necessária.

Nem sei quantas coisas poderiam ser ditas sobre isso. Sei que muitas crianças fazem o mesmo, sei que os apelos assim como os desejos são muitos, sei que os limites podem ter esse efeito inverso, sei que a Laura é muito criativa, muito esperta, muito safa. Sei que poderia ter sido evitado se eu estivesse ao lado dela, ou de olho nela. Mas sei também que não se pode evitar tudo, não sou um super-pai que pode ver tudo, resolver tudo. Se por um lado me culpo, por outro acho que as crianças têm que ter espaço pra enfrentar situações da vida que se tornarão grandes oportunidades de aprendizado.

Sempre dei, sempre demos esse espaço, essa liberdade pros trigêmeos. Claro, esse espaço é relativo, depende dos parâmetros dos pais, de cada casal. E não há o certo, o mais certo nem o errado ou o mais errado. Pai erra mesmo querendo acertar. Lembro de quando eram bebês e aprendiam a andar, nós deixávamos que se aventurassem, que experimentassem seus limites. E eles caíam e deixávamos que caíssem. E, assim, que aprendessem a se levantar. Lembro que quando esboçaram as primeiras intenções de sair do berço, colocamos todos dormindo no chão. Evitamos que caíssem do berço com risco de se machucarem, mas ao mesmo tempo oferecemos a eles a liberdade de entrarem e saírem de suas caminhas quando quisessem.

A vida é uma grande situação de risco. Ainda damos espaço e liberdade pros trigêmeos e isso exige bastante de nós para educá-los. Espero ter sempre a energia necessária para orientá-los quando, ao experimentarem a vida, eventualmente caírem.

15 comentários:

Roberta Lippi disse...

Cara, essa sua atitude mostrou que você é, sim, um super pai. Nem tenho muito o que dizer, porque você já disse tudo aí. Não podemos estar presente em todas as situações, evitar tudo. E nem devemos, até porque os erros são necessários para o aprendizado. O que a sua filha fez provavelmente toda criança faz alguma vez na vida. Mas é a nossa atitude como pais diante dessas situações que faz a diferença.
Parabéns.

Paty - A grande espera! disse...

Lindo esse post! Um aprendizado para mim tbém, que sou mãe e com certeza passarei por situações difíceis com o meu filho. Aprendo aqui como lidar com elas...

Abraço

Paula Carolina disse...

fez certo mesmo... uma vez meu pai fez eu devolver um sacquinho com clips colorido que havia pego numa loja... morri de vergonha, mas serviu como liçao! e nunca mais esqueci!hahahaha

Paloma Varón disse...

Adorei a sua postura. Ô situação difícil!

Soraya Wallau disse...

Oi Octavio, isso acontece mesmo, é uma espécie de teste de limites e vc mostrou o limite. Foi bom, pois ela pegou e viu q tem essa capacidade, mas sempre tem alguém olhando em algum lugar.
Bjo bem grande!!!

Luciana Pessanha disse...

Quando criança, fiz algo semelhante ao que Laura fez. Peguei uma caixinha de lenço na vendinha do meu pai e ofereci como presente a uma amiga no dia do seu aniversáro. Meu pai foi tão severo! Fez um discurso, me levou até a porta de uma delegacia e disse que se eu fizesse novamente me deixaria lá. Apanhei muito. Fui levada à casa da amiguinha para dizer para ela, diante de sua família que a caixa de lenço não era minha e pedir de volta. Foi um desamparo!
Acredito que os pais devem agir sim, mas é preciso muita sabedoria. Gostei da sua atitude.
Sei que meu pai fez o que considerou melhor para mim, movido por amor.

Abraço

Maura Fischer disse...

Você é realmente um grande pai! Certemente terá a energia necessária e quando já não mais puder orientá-los quando "caírem" eles já terão aprendido a levantar sozinhos!
Parabéns pela atitude! Certamente deve ter sido doloroso, mas muito mais saudável e necessário! A Laurinha jamais esquecerá essa lição! Lembro-me de quando tinha 5 anos e passei por uma experiência parecida... um senhor deixou um objeto cair no chão, era um isqueiro colorido desses bem baratinhos, eu vi me encantei e quis para mim... Foi nesse dia que meu pai me ensinou definitivamente a honestidade e a moralidade.
Um forte abraço a toda família!
Maura

Jane disse...

As crianças estão descobrindo o mundo, testando e aprendendo o tempo todo.
O que aconteceu com a Laura foi sem dúvida uma oportunidade para a formação de valores, que acontece com o exemplo e com a intervenção do adulto.
Excelente sua postura. Talvez tivessemos jovens e adultos melhores se mais pais agissem como vc e sua esposa.

Gostei do seu blog.
Parabéns pela prole!

Anônimo disse...

Octavio, Parabéns pela sua postura, você foi rigido e acolhedor ao mesmo tempo. Suas ações/estórias são, sempre, boas orientações para nossa família ( trigêmeos com 03 meses). Abraços, Fernanda

Glória disse...

Meu pai me acompanhou na devolução de um pedaço de giz de lousa para a professora. Nunca mais me esqueci daquele momento...

Uma outra vez também, ao me observar fazendo uma tarefa de matemática, sem que eu visse, ele escondeu a borracha de apagar. Procurei tanto, e ele ali, me observando por cima do jornal, até que me perguntou o que eu procurava, e eu respondi. Como não havia borracha para apagar, não pude mais errar, e portanto tive que me concentrar e fazer tudo certo. Quando terminei a tarefa, ele me devolveu a borracha e disse - se voce prestar atenção no que faz não errará e não precisará apagar, não precisará tanto da borracha.
Essa experiência eu procurei levar para a vida. Mas as escolhas de vida não são fáceis, como ter certeza que estamos acertando ? Não há como ter certeza...
Outro dia assisti a uma palestra do prof. Clóvis de Barros Filho
(na CPFL), esse mesmo que fala sobre a força da publicidade para crianças (vídeo "criança, a alma do negócio", neste Blog Ostrigemios, Junho/09). Ele diz que a escolha de um caminho é a renúncia de todos os outros, e isso em si já é uma tragédia... Diz que não nascemos para sermos seres blindados, e que queremos ter tesão pela vida. Diz que diante de tantos caminhos a escolher devemos procurar o que nos alegra mais...
Bem, mas voltando ao assunto, Octávio a Laura é seu grande e verdadeiro desafio. E será sempre. Prepare-se para aprender muito com ela.

Alê disse...

Octávio,

Imagino como vc deve ter se sentido.Mas, acontece sim, com muitas crianças.
E achei a atitude que vcs tiveram a mais sensata, a mais educadora possível.
Parabéns e tenho certeza que todos vcs cresceram muito com o acontecimento.
Faz parte, ás vezes, passar por isso!
Bjs

Jussara disse...

Confesso que fiquei com o coração apertado à medida em que fui lendo e vi que a Laura ia ter que devolver o chaveiro. Mas só posso parabenizá-los pela atitude. Sei que mtos pais repreenderiam o filho, mas poucos o fariam ir devolver o objeto. Atitudes como essa é que nos fazem acreditar que a humanidade não é uma invenção que deu errado. E certamente essa é uma lição que a Laura aprendeu e vai levar para o resto da vida. Espero que as pessoas da loja tenham tido tato para lidar com a situação.

BLOG DA GRÁVIDA disse...

Você tomou a atitude certa e ajudou sua filha a formar valores muito importantes. Deve doer muito no coração fazer algo assim, mas um dia ela ainda vai agradecer por isso!

Renata disse...

Acabei de conhecer o seu blog e fiquei muito impressionada. Você, além de escrever muito bem, tem uma postura muito admirável com os pequenos, além de ser sim, um super pai.
Quando eu era criança eu fiz a mesma coisa que a Laura e minha mãe teve a mesma reação que a sua, foi comigo devolver as balinhas que eu peguei. E isso me marcou demais! Pode ter certeza que vc agiu da melhor forma que poderia. Vou dar mais uma lida por aqui. Parabéns pelo blog, que é delicioso de ler e pela família linda!
beijos, Renata

Desirée Tapajós disse...

Octavio, vou confessar chorei no meu cantinho imaginando o rostinho da Laura imaginando como você estava se sentindo, acredito que fez o melhor para situação, agradeço por ter compartilhando suas experiências conosco, pois com seus relatos vc tem nos ajudado muito, nos que ainda estamos no início da estrada.

Tri-beijos Desirée
http://astrigemeasdemanaus.blogspot.com.br/